31.7.05

#30

Abro a porta e entro na sala no final do corredor. Assim que entro acende-se uma forte luz na sala que antes parecia ser escura. Tão forte esta luz que por alguns momentos me ofusca, cegando minha visão e me dando um certo medo. Naqueles poucos segundos de cegueira pensei em tudo que havia acontecido antes. A conta bancária vazia, o senhorio bravo, a placa no poste, o portão negro, a fila enorme, as mãos me cumprimentando na sala escura, o longo corredor corporativo... Nada daquilo me dava alguma segurança. O medo foi aumentando conforme fui recuperando a visão, e os borrões na minha frente foram tomando forma.

Havia uma mesa, e cadeiras em volta delas. Sentado na mesa estava no gato branco, se lambendo, exibindo a elasticidade. Sentado ao lado dele, o homem-barata, com aquele moleton azul marinho velho e sujo, aquela barba rala e sorriso de dentes amarelos. Pendurado no teto, o imperador-corvo ouriçava as penas negras, reluzindo na luz fluorescente. Atrás de mim, a porta se fecha. Nem tento abrí-la; sei que estou preso e à mercê de meus algozes.

Fecho os olhos e dou um passo para frente. Mesmo de olhos fechados sei que eles se olham sorrindo, tramando o meu fim. Não demorou muito para eu sentir as unhas penetrando em minha carne, as perninhas duras caminhando sobre meu corpo, o bico afiado perfurando minha pele... Evito gritar de dor, mas não consigo. Apenas mantenho os olhos fechados e espero ou a dor ser tão grande para eu perder a consciência ou eles simplesmente pararem. A primeira opção prevaleceu.

O tempo para mim deixa de existir. Não sei quantificar quanto dele se passou, e nem me importa. Acordei em uma poça seca de meu sangue, com pequenas tiras de carne e pele espalhadas em volta. Meu corpo dolorido já cicatrizava, e ao menos segurava dentro de mim todo o sangue e linfa. Levanto-me, e noto que estou na mesma sala, mas agora a porta está aberta. Em cima de mesa, pilhas e pilhas de dinheiro -- notas de um, dez, vinte, cem reais, todas organizadas em bloquinhos. Ao lado delas, uma notinha dizendo: "Bom trabalho. Ligaremos quando preciso." Voltei para casa com o dinheiro, paguei o senhorio, e mantive a linha telefônica desocupada.