29.7.05

#29

As estrelas e a lua apareciam livremente naquela noite. Brancas, pareciam reluzir de pura inocência dada a distância entre nós e elas. Qualquer coisa tão longínqua, tão fora do alcance do homem, só poderia vir da pureza. Eram estas as luminárias que nos cercavam. Em alto-mar, com a escuridão em todos os horizontes, somente olhando para cima conseguíamos ver algo além de nós mesmos. Não havia luz artificial acesa, somente o nossos olhos e o barulho do mar. As vezes algo ululava de longe, mas nada que pudesse nos assustar. Apesar de parados e quietos, estávamos mais vivos que nunca. Ao mesmo tempo, sentíamos estar mais perto da morte do que nunca.

Náufragos já a três dias, estávamos à deriva e à mercê dos ventos e correntezas. A bateria elétrica do bote de salvamento, que estupidamente gastamos alimentando um motor que achávamos que nos levaria à alguma costa, havia-se esgotado naquela manhã. Ainda tinhamos os suprimentos, racionados ainda com lógica. O desespero não havia tomado conta de nós ainda -- não, este viria mais tarde. Éramos oito, desde o naufrágio. Ninguém havia morrido ainda, desde o naufrágio. Procurávamos não nos concentrar na perda tão recente, nos amigos e familiares mortos -- queríamos encontrar forças para seguir vivendo. Então fizemos um pacto de sobrevivência, e nos organizamos. Montamos turnos de vigia -- duas horas cada dupla, por que sozinho alguém dormiria -- e ficamos olhando o horizonte tanto quanto podíamos, a procura de silhuetas embaçadas de terra ou embarcações durante o dia, e de luzes durante a noite. Guardavamos os sinalizadores para quando avistássemos algo. Eles eram nossa esperança, a possível salvação, nossa resistência contra o desespero. Eles e os suprimentos, que certamente durariam algumas semanas dentro de nosso racionamento.

Nas setenta e duas horas que se passaram perdemos a total noção de onde estávamos -- muito provavelmente nunca nem sequer soubemos ao certo. Nenhum de nós sabia muito de navegação, e com este fato em mente, tentávamos não bolar planos mirabolantes de cálculos para sabe aonde estávamos ou para que lado iríamos. Enquanto tinhamos bateria, seguíamos para o norte de acordo com a bússola e com as estrelas. Mas não sabíamos se a terra mais perto estava ao norte, ao sul, à leste ou à oeste. Eramos turistas, queríamos nos divertir e nos descontrair. Não estávamos preparados para a sobrevivência.

Restava então curtir aquilo. Os dias eram longos e àrduos, com o sol forte secando nossas peles nos ferindo, mas as noites eram maravilhosas. A brisa do oceano era um pouco forte, é verdade, mas o céu era um espetáculo sem igual. Quando acordados, procurávamos estrelas cadentes, e a encontrávamos facilmente. Com cada uma, o mesmo desejo -- sair dali com vida e poder contar aquela história. Assim como as estrelas e a lua, tão distantes, éramos inocentes. Tínhamos esperança.