14.7.05

#13

(13 é um número muito associado à idéia de sorte e azar. Considerando isso, e a situação política atual, retomei um texto meu antigo...)
Uma frase que ouvi muitas vezes em aulas de filosofia (e também algumas vezes em aulas de literatura) é a velha escrita de Aristóteles, dizendo que "O homem é um animal político". Na época em que o discípulo de Platão anotou esta máxima, ele estava fazendo um elogio ao Homem. As pólis, que resultaram no que hoje chamamos de cidades (ou quando exageramos chamamos de metrópolis), eram consideradas uma das maiores conquistas da humanidade -- eram provas de que os homens eram capazes de juntos criar uma sociedade de co-existência, em que todos se ajudam e mutualmente se beneficiam, pensando sempre no bem-estar da própria pólis (e consequentemente da sociedade), e na excelência da raça humana. Então, quando Aristóteles se referia ao homem como um "animal político", ele fazia uma homenagem à capacidade do homem de se aperfeiçoar e buscar o bem comum.
Pois é, alguns poucos milênios mais tarde e conseguimos jogar este ideal pela latrina. Hoje em dia a palavra "política" é quase um palavrão. Tem gente que nas ruas substitui o velho "filho de uma puta" por "filho de um político". O bem comum se tornou menos importante que o bem próprio. A co-existência passou a ser um incômodo, e não uma vantagem. Sim, por que quando reclamamos do trânsito, do barulho, do inferno da vida urbana, reclamamos da co-existência. As pessoas buscam saídas desta vida, saídas externas (viagens) ou internas (também viajando, mas com outros "veículos"). E cada vez mais os homens tentam ignorar a presença um dos outros (salvo pela presença daqueles que podem nos beneficiar pessoalmente), e com isso ignorar também o conceito de sociedade.
Se a mesma frase "o homem é um animal político" fosse proferida hoje, também seria verdade. Mas buscaria o significante mais negro do conceito de política... Aquele que diz que todo político é corrupto, que todos na política são ladrões... O homem comum, não tão distante do político, também é, em termos gerais, corrupto, bandido, mesquinho, individualista... Pelo menos na versão do próprio homem, de um modo geral. As pessoas pararam de acreditar no bem da humanidade e passaram a acreditar no potencial destrutivo dela.
É claro que generalizo. Ainda existem milhares (talvez até milhões!) de pessoas que representam o animal político de Aristóteles, aquele que todos deveríamos procurar ser. Mas me parece que o número de animais políticos modernos é crescente, e é assustadoramente predominante.
Talvez isso tudo seja apenas uma impressão minha -- o resultado de um negativismo individual que possuo e que vê esta sombra na nossa atual sociedade. Espero mesmo que seja. E espero também que mesmo que eu esteja certo hoje, estarei errado em alguns anos. Talvez o animal político seja cíclico, e com mais um par de milênios o homem voltará a ser aquela criatura semi-perfeita que Aristóteles um dia viu.
(originalmente cyber-publicado em dezembro de 2002).