6.7.05

#4

Momento de crítico.
Uma das maiores falhas de qualquer público de um show de música ao vivo, para mim, é isentar a performance de erros. Não que eu ache que músicos não tenham o direito de errar -- não é isso. Mas da mesma forma em que se pode (e deve) sair de um jogo de futebol criticando o time de que não jogou bem, deve-se também sair de um show criticando o músico que não foi bem. Não se trata de uma falha imperdoável, mas nem por isso deixa de ser uma falha. O que ocorre, no entanto, não é isso. Acho que não tem um show em que fui em minha vida em que não ouvi ao sair alguém falando "esse foi o melhor show da minha vida" ou algo do tipo. Se foi realmente um show bom, tudo bem. Mas e quando o show é fraco? Quase sinto pena dessas pessoas, pois realmente desconhecem o que é boa música ao vivo.
Nunca fiz nenhuma pesquisa formal sobre o assunto, mas acredito ser fato que em qualquer show, pelo menos 50% do público sai acreditando que o show foi ótimo. Mais uns 40-45% sai pensando que o show foi ao menos muito bom. Resta então, em minha estimativa, menos de 10% que talvez tenha um senso crítico maior quanto ao show (essa porcentagem diminui homericamente para shows de Chiclete com Banana ou Emmerson Nogueira). Por que isso acontece? A minha teoria é simples -- endeusa-se a banda antes do show, e com isso se permite que qualquer que seja o resultado do show, a impressão é a mesma -- "foi um showzão". Muitos foram os shows fracos em que vi isso acontecer -- Belle & Sebastian, Page & Plant, Smashing Pumpkins, Lenny Kravitz... E mais recentemente White Stripes. Estes dois últimos acho mais grave ainda, pois era claro durante o show que a platéia estava meio perdida, sem entender aquilo, mas a reação final continou sendo igual -- "puta, mas que show!".
Vamos nos concentrar um pouco mais neste último show citado. A banda em si é exemplar. Conheço quem não goste, mas trata-se de uma banda que no cenário atual alternativo conseguiu se manter no topo por três albuns consecutivos, o que é algo difícil e louvável. Quantos não foram os Hives ou Vines que após um tremendo disco de exposição não conseguiram seguir com albuns a altura e se perderam no meio do mix de bandas alternativas? Até mesmo o Strokes, talvez o pioneiro neste cenário atual a atingir o mainstream, corre esse risco no próximo lançamento. No entanto, desde o pequeno estouro de Fell in love with a girl até a explosão atômica de Seven nation army, Jack e Meg White conseguem manter a relação de amor com os ouvidos alternativos, ao mesmo tempo em que conquistam as rádios e pistas de dança mainstream. Isto não ocorre sem méritos -- Jack White é uma figura singular, um tipo de Johnny Depp musical que reinventa a própria esquisitice sem perder a espontaneidade e sem se tornar algo com cara de produzido em massa e vendido (o que, por exemplo, parece ocorrer mais e mais com Coldplay). Jack cria tremendos riffs de guitarra, explora-os por todos os ângulos, e conta com a fiel escudeira Meg (que já foi esposa, irmã, e sei lá mais o que dele) para levar todas estas idéias excentricas para frente e fazê-las dar certo. Até aí, tudo bem. Então eles resolvem vir para o Brasil, logo antes do lançamento de um album novo. Marcam história ao se tornar a primeira banda de rock a tocar no Teatro Amazonas de Manaus, e se saem bem -- aparentemente foi um show histórico à altura do marco. Depois disso, eles seguem para o Rio de Janeiro, e então desembarcam em São Paulo aonde pude testemunhar o show deles.
O show começou bem -- atacaram de cara com músicas do conhecido Elephant, e umas outras do White blood cells. O público, que anseava pelo show, começou a pular logo nos primeiros acordes de Jack White. Na verdade, já pulava antes, com a mera presença do duo no palco. O começo foi a melhor parte do show -- tocaram com soberba energia I think I smell a rat e Dead leaves and the dirty ground. Mas logo essa energia se dissipou, e as músicas foram perdendo o pique. A platéia parou de pular, mas continuou aplaudindo e gritando em todas as músicas, cantando as que conhecia. Ao sentir esse pique caindo, Jack tentou se salvar -- entre músicas brincou com o público, fez comentários contra o desmatamento, contra a guerra. O público gritou e aplaudiu, fingiu que vibrou; mesmo sem talvez ter entendido os comentários de Jack. Mas o problema era na hora da música. Ficava claro que Jack e Meg não estavam com tanto pique, e as músicas soavam um tanto forçadas. Como muitas eram músicas novas, desconhecidas do público, este não pode ajudar, cantar junto e fazer vibrar, e acabou ficando nisso. Era um grupo fingindo que estava curtindo tocar, e uma platéia fingindo gostar de escutar. Para tentar gerar calor deste público, Jack vira e fala: "Hoje estamos fazendo um show diferente, tocando músicas não tão conhecidas, músicas além do programado. Espero que esteja tudo bem com vocês. Se não estiver, posso tocar Seven nation army e podemos todos ir para a casa". O público, é claro, protestou; mandou Jack seguir em frente. Puro poserismo. Jack improvisou, solou, duelou com Meg, e tudo isso deixou claro que a banda ao vivo nem sempre consegue segurar a falta de mais músicos como consegue em estúdio. Adoro improvisos ao vivo, mas este não era o dia de Jack, e tudo ficava arrastado demais, e cada novo improviso provava que Meg não está no mesmo nível de Jack -- ela estava mais perdida ainda, apesar do bom entrosamento entre os dois. Após mais ou menos uma hora de show, eles saíram do palco, e a platéia começou timidamente, por pura inércia, a pedir o bis. Não foi aquela chuva de aplausos e gritos, aquela vibração normal -- parecia ser algo cumprido por obrigação, como se uma luzinha no palco estivesse piscando "APLAUSOS". Depois de uns cinco minutos de descanso (tenho minha dúvidas que Jack realmente quisesse voltar), os dois voltaram e tocaram por mais vinte minutos. No "bis", puxaram uma última reserva de energia para emendar bem I just don't know what to do with myself, seguiram com o Seven nation army, que francamente Jack poderia peidar as notas no microfone e o público deliraria, tocaram uma música nova enquanto o povo ainda alucinava pela música anterior, e então foram embora. Menos de uma hora e meia de show -- isso por que Jack falou que ia tocar mais do que o programado. O público em geral, pensando em Seven nation army, saiu feliz, apesar de ter passado metade do show parado e perdido em meio a solos de xilofones e acompanhamentos de marimbas. Eu não. Fiquei extremamente frustrado pela falta de bons momentos de uma banda que tem como fazer melhor. Conversando com gente que foi no show, ouvi comentários do tipo -- "teve muita música do novo disco, que bom", "o público não estava entendendo a banda, mas eu tava", "a iluminação foi demais". Para mim, não passam de desculpas de pessoas que no fundo não gostaram do show também, mas justificaram de alguma forma para si mesmas que valeu a pena. Pessoas que já tinham decidido que gostariam do show antes mesmo dele começar, e portanto gostaram, mesmo não tendo gostado. Somente assim posso entender esse fenômeno, essa noção de que os músicos bons em estúdio não tem como errar ao vivo. Não só tem, como erram -- e o White Stripes errou aqui em São Paulo. Continuarei gostando deles -- como já disse trata-se de um erro perdoável -- mas isso não isenta o erro.
Ouço comentários de que outras grandes bandas do circuito alternativo estão vindo para o Brasil no segundo semestre. Franz Ferdinand, Strokes, Wilco. Pensando agora, são bandas cujos shows são, presumidamente, imperdíveis. Espero que ao sair de qualquer um destes shows, eu continue com essa impressão -- esse foi um show imperdível. Não preciso sair dizendo que foi o melhor show da minha vida (até por que este é um degrau de difícil escalada dada minha experiência com shows), mas gostaria de ver shows de músicos que provem no palco que são imperdíveis, não pelo fato de estarem lá ao vivo, mas pela qualidade da música, pela energia da banda. Em suma -- espero que estas bandas não errem. Pelo menos não no dia em que eu estiver lá para ver.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Fá, você já sabe qual é a minha opinião sobre o show... Emoção... É, a banda realmente não transmitiu esse sentimento, essencial para encantar verdadeiramente um público... Pena que muitas pessoas não perceberam isso...

sáb. jul. 09, 02:26:00 AM  

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