5.7.05

#3

fragmento de uma peça incompleta...

(entra em cena um cara baixinho, um tanto gordinho. usa chapéu, e um sobretudo, mas não aparenta ter nada em baixo do sobretudo, pois podemos ver parte de seu peito, que é extremamente peludo. o baixinho pára no centro do palco e olha em volta. ao olhar para a platéia, demonstra surpresa e olha de novo, espremendo os olhos. se espanta novamente. sai correndo para fora de cena. neste momento, ilumina-se um canto do palco, e vemos uma mesa dessas de boteco, com quatro pessoas sentadas em volta dela. dois estão de bermuda, camisa de turista, bonézinho com aba para trás, como se fossem estudantes que freqüentam mais os botecos da faculdade do que as aulas. os outros dois são totalmente diferentes, alinhados, usando o mesmo terno e gravata, e cartolas iguais. são altos, mais ainda com as cartolas, e aparentam ter exatamente o mesmo tamanho. um dos engravatados distribui as cartas, vira uma na mesa -- nesse momento alguém da mesa fala em meia-voz "virou o valete" -- e o jogo se inicia. cada um segura três cartas na mão inicialmente, e aos poucos vão descartando até chegar a vez de um dos engravatados, que para e pensa. durante o desenrolar da cena subseqüente, uma luz vermelha vai tomando conta do palco vagarosamente, e no final tudo no palco está vermelho.)


ENGRAVATADO 1: Eu creio, caros amigos, que é hora de eu pedir truco.

(os dois "estudantes" se olham, sorriem, e um deles pula da cadeira)

ESTUDANTE 1: SEIS!!! É SEIS MARRECO, SEIS NA CABEÇA!!!!!

(os engravatados se olham desconfiados.... pensam um pouco e então...)

ENGRAVATADO 2: Meu caro colega, devo então insistir com minha aposta, e aumentar o lance para um nove.
ESTUDANTE 2: DOZE ENTÃO CARAIO!!! É doze! Dúzia na cabeça do marreco!!!! Vai ficar ou vai cair???

(neste momento entra correndo do outro lado do palco o baixinho gordinho da primeira cena. ele vem bufando, gritando com todo o fôlego que lhe resta)

BAIXINHO: Sá!!! Lú!!! Sá!!! Lú!!! Vocês tem que ver isso!!! Vocês tem que ver!!!

(ele alcança a mesa, e repirando fundo, cambaleia para os lados)

ENGRAVATADO 1: (se dirigindo ao baixinho) O que foi Bel Zé?
BEL ZÉ: Sá!!! Tenho que te mostrar um negócio... Isso você tem que ver!!!
SÁ: O que é, Bel Zé? Desembucha! Eu tou ocupado.
BEL ZÉ: Não Sá... (se vira para o outro engravatado) Lú... Isso é importante, vocês tem que ver!
LÚ: Estamos no meio de um jogo Bel Zé! Não dá pra deixar essas coisas de lado pra você mostrar um pecadinho qualquer...
BEL ZÉ: Esse não é um pecadinho qualquer, Lú! Tenho que mostrar isso pra vocês!
SÁ: Ai, meu d... Err... Que droga, Bel Zé! Estamos apostando a alma desses caras aqui!
ESTUDANTE 1: UMA DÚZIA SEUS MARRECOS!!! VÃO CAIR OU NÃO?
BEL ZÉ: (puxando Sá e Lú para longe da mesa) Vocês não aprenderam nada depois dos dados do holandês? Ainda querem apostar almas?
SÁ: Nem me fala desse maldito holandês! Mil anos perdidos... Ainda bem que sou eterno e o tempo para mim não existe.
ESTUDANTE 2: O MARRECO TÁ COM MEDO DE CAIR...
ESTUDANTE 1: TÁ COM MEDO QUE A CARTOLA DELE VAI CAIR COM O ZAP AQUI NA MINHA MÃO!!!
LÚ: Bel Zé, deixe-nos terminar com isso e já vamos.
SÁ: Sim... deixe-nos terminar...
BEL ZÉ: Sejam rápidos...
LÚ e SÁ: Pode deixar.
SÁ: (se virando para os estudantes) Grandessíssimos rivais. Me perdoem a interrupção. Meu pequeno amigo desconhece a etiqueta de jogo, francamente uma falta de decoro de nossa parte...
LÚ: Sim, imperdoável de nossa parte, realmente. Creio, no entanto, que aceitaremos seu desafio...
ESTUDANTE 1: HAHAHAHA!!! Então tome ZAP! (bate com uma carta na testa de Sá)
ESTUDANTE 2: E COPETA!!!! (bate com outra carta na testa de Lú. Assim como em Sá, as cartolas caem da cabeça, e os estudantes comemoram, os engravatados com cartas presas as testas)
ESTUDANTES: MAIS UMA VEZ GANHAMOS DESSES MARRECOS!!! Hahahahah!
SÁ: Mas será que ganharam? (pegando a cartola do chão)
LÚ: Creio que não ganharam... (pegando a cartola do chão)
(os estudantes param de comemorar).
SÁ: (tirando a carta da testa) não... por que isso aqui é um rei...
LÚ: (tirando a carta da testa) assim como esse...
ESTUDANTE 1: Mas o rei é manilha, virou o valete... ´
LÚ: Não, meu rapaz... Creio que virei uma dama... (recolocando a cartola)
ESTUDANTE 2: Não, era valete eu lembro bem...
SÁ: Talvez devam olhar novamente, meus bons amigos. (recolocando a cartola. os dois estudantes olham, e ficam boquiabertos)

ESTUDANTES: (se revezando) não! mas era valete! não era? eu tinha rei! eu tinha zap! casal maior! nós ganhamos!

SÁ: Sinto informar, caros oponentes mas nós vencemos esta rodada...
LÚ: E contrato é contrato...
SÁ: Uma derrota para nós e suas almas nos pertencem...
LÚ: A não ser que ganhem por mil anos seguidos...
SÁ: Mas que pena... Passaram-se apenas novecentos e noventa e nove anos...
LÚ: trezentos e cinqüenta e quatro dias
SÁ: vinte e três horas e cinqüenta e nove minutos...
LÚ: Acho que isso significa...
SÁ: De acordo com nosso contrato...
LÚ: Que nós ganhamos...
SÁ: Então...
LÚ: Caros amigos...
SÁ: TOME ZAP (dá um peteleco na testa de um estudante)
LÚ: E COPETA (dá um peteleco na testa do outro -- com os petelecos, os dois estudantes desaparecem em fumaça)

SÁ e LÚ: MARRECOS!!! (risadas malévolas)

BEL ZÉ: Vocês são crianças mesmo...
SÁ: Ah, Bel Zé... Deixa disso! Esses mereciam.
LÚ: Sim... Ninguém ganha de um maço como nosso.
SÁ: Com nossa especialidade...
LÚ: O valete-hermafrodita!!! (risadas malévolas novamente)

BEL ZÉ: Bom, terminaram?
LÚ: Você é muito sem graça, Zé.
SÁ: É mesmo... Mas e aí... O que é tão importante que não podia nem esperar nosso joguinho?
BEL ZÉ: Venham comigo... Vocês vão se arrepiar...

(os três saem do palco)

fim do fragmento... haverá mais?