11.7.05

#7

Acordou aquele dia com o calor do sol. Era raro isso -- nunca acordava com o sol da manhã. Sempre dormia até depois do meio-dia, às vezes até o horário de jantar. Mas naquele dia, sentiu o sol e acordou. Não lutou contra isso, se levantou e foi até a janela, sem saber ao certo que horas eram. Observou que as pessoas seguiam com o dia de sempre, andando atribuladas, entrando e saindo de carros, lojas, casa... Por um momento desejou ter uma vida normal.
Olhou para a cama, e lembrou que havia tido companhia aquela noite. Não estava mais lá. Devia ser alguém que agora estava lá fora, trabalhando, dirigindo, pensando aonde iria almoçar. Não lembrava o nome dele, nem ao menos se em algum momento o soube. Não se preocupou com isso; simplesmente acendeu um cigarro e seguiu olhando o cotidiano acontecer fora daquele lugar. Da janela do apartamento era possível o cruzamento ali perto, a descida da ladeira, o praça ao fundo. Ficava brincando de acertar por que caminho as pessoas seguiriam; se desciam pela ladeira a caminho do parque e do comércio local ou se continuariam em frente, para talvez pegar um ônibus ou o metrô na avenida mais para frente. Fez essa brincadeira por quase meia-hora, até decidir que realmente não sabia nada do destino dos outros. Foi então pegar uma cerveja na geladeira -- ainda sentia o alcool no sistema da noite anterior, e uma amiga havia lhe dito que uma cerveja pela manhã tira qualquer efeito de uma possível ressaca.
Tomou a cerveja lendo os quadrinhos do jornal. Se sentiu despreocupada -- para o mundo era como se ela não existisse nesse horário. Ninguém a incomodaria durante a manhã; ninguém pensaria que ela estaria acordada. Gostava dessa sensação de que a qualquer momento, em qualquer manhã poderia surpreender o mundo e aparecer para todos. Seria só vestir a calça jeans que estava pendurada na cadeira, colocar o casaco por cima do top branco, e sair. O porteiro seria o primeiro a se assustar, e depois a cidade inteira. Riu com a idéia. Mas resolveu deixar para depois. Escovou os dentes, fechou a cortina para bloquear o sol, e voltou a dormir. O dia, decidiu, não era o território dela. Se dava melhor com a noite, e era questão de tempo até a noite aparecer de novo. Cobriu as pernas com o fino lençol, abraçou o travesseiro, e dormiu. Sonhou com as formigas do mundo de fora, se imaginando cigarra. Dormiu profundamente.